Daniel Costa

“Excertos de uma conversa”

DANIEL LOPES NORONHA DA COSTA (Paris, 3 de Dezembro de 1973 Serra do Louro, 14 de Maio de 2000). Estudou no ARCO, no IPF, na ESADe, na FBAUL, onde se licenciou, e na FCSH, onde frequentava o mestrado de História de Arte. Participou em diversas exposições colectivas de fotografia e pintura.

Trata-se de uma entrevista feita por Ana Teresa Meneses, que faz parte de um trabalho em vídeo constituído por uma série de entrevistas a jovens artistas. Desse trabalho não fazem parte as perguntas, pelo que  decidi assinalá-las com uma  linha tracejada. A transcrição é da minha responsabilidade. Agradeço (eu, Silvina Rodrigues Lopes)  à autora do vídeo, que me o ofereceu.

(excertos de uma conversa)

Daniel Costa: (…) Se começo a desenvolver um projecto de pintura, um trabalho que é de pintura, isso demora tempo até que se atinja alguma qualidade, até que se comece a colher algum fruto. Não é, por ex., estar a pintar durante três meses, a lutar nesse campo, e depois lembrar-me “ah, quero fazer uma instalação, porque isso tem mais a ver comigo”. Depois vou fazer uma instalação e passados dois meses vou fazer um projecto de vídeo. Acho que não pode ser assim porque as coisas tem o seu tempo… demora… é preciso tempo para conseguir alguma coisa de um meio. Acho que um artista pode expressar-se em vários meios. Não acho que um artista só possa fazer durante toda a sua vida pintura ou outras coisas assim demarcadas. Mas acho que é preciso tempo. Não acredito, como vejo muitos colegas a fazer, a movimentar-se em vários meios de expressão com muita ligeireza… acho que isso não… não acredito nisso.

Por vezes, vê-se, em programas como o Artes e Letras, que o artista tal já fez instalação e depois fez vídeo, e isto e aquilo. Só que isso é o que se resume quando se apresenta o trabalho de uma vida inteira. Vêem-se todas as coisa que a pessoa fez e esquece-se o tempo de cada uma delas. Vê-se tudo comprimido e pensa-se que é “toca a saltitar”. Penso que há aí um certo erro. Eu talvez agora ao fim de uns seis anos de pintura comece a sentir que estou a obter resultados e estou a encontrar mesmo… Desde o  1º ano no ARCO, em que começava a fazer pinturas sem saber muito bem porquê. Só para trabalhar, fazer qualquer coisa a pensar que estava a fazer alguma coisa de diferente, quando na realidade não era nada muito pessoal, era algo que eu pensava que estava a fazer diferente, mas na realidade não. Depois continuou… os primeiros anos na ESADE… comecei a evoluir mas a fazer aquilo que eu agora vejo que tanto podia ter sido eu como outra pessoa. Era um trabalho de aluno, de escola. Só agora, talvez no penúltimo  ano da FBAUL é que comecei a fazer coisas que são pessoais, são mais únicas, algo que só eu é que podia ter feito, algo que é mesmo um produto meu.

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Há uma parte em que eu não pinto nada, é tudo muito racional. Procuro as imagens, amplio, faço fotocópias. Procuro munir-me de vários elementos, até de desenhos que eu faço. Isso aí é muito estudado, muito calculado. Por ex. vou a um livro de arte renascentista ou de arte antiga… é mais renascimento… vejo detalhes ou coisas que eu quero conjugar ou só ampliar na pintura. Depois passo para a tela e essa parte ainda é muito contida. É só reproduzir aquilo com rigor, mesmo a apelar à técnica. Essa parte é racional mental. Depois há uma segunda parte em que eu páro com isso, afasto-me das imagens, vejo o que é que eu tenho na tela, o que é que eu tenho no quadro, e o que é que lhe vou fazer. A maior parte das vezes é a maneira como vou desconstruir aquilo, como vou destruir aquilo e o que é que lhe vou acrescentar… invertê-las… espalhar-lhes tinta prateada por cima… é uma dimensão muito mais gestualista… mais selvagem…. é a conjugação das duas coisas..

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Formas que as pessoas pudessem identificar de imagens renascentistas. Mas que por outro lado não quisessem dizer nada. Pudessem ter um valor… uma significação própria… como aquela da cabeleira.  Há pessoas que não percebem o que aquilo é … aquilo parece-lhes um monte de tripas ou qualquer coisa assim… abstracto não lhes parece, porque aquilo tem um certo rigor que uma abstracção não tem… mas também não identificam… Para outras pessoas a estranheza vem de identificarem aquilo com uma cabeleira de um retrato renascentista e verem como só os cabelos isolados e a uma escala diferente adquirem significados diferentes dos do quadro original. A estranheza vem de ser algo que reconhecem e ao mesmo tempo não conheciam daquela maneira. O choque vem mais ou menos disso. E depois também isso tem a ver com a nossa memória… há muita tendência  para sobrevalorizar as tradições exóticas… e esquece-se um pouco a nossa memória ocidental.

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Uma pessoa tem tendência a apoiar-se na teoria, mas não quer dizer que isso vá melhorar o trabalho ou piorar… ou que isso lhe vá dar mais confiança. Algumas pessoas têm muita confiança no seu trabalho, ou dão muito valor ao trabalho de outros, pelo suporte teórico que têm. Mas eu não acredito nisso. E não acreditaria no meu se achasse que as imagens só por si não valiam… Não era agora uma conversa que eu pudesse inventar a posteriori que o ia salvar… nem acho que salva o de ninguém. Não acho que seja isso.

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Posso fazer trabalhos mais pequenos, quadros mais decorativos e mais acessíveis e pode ser que me safe… se tiver disposição e predisposição para ir aturar esse tipo de meio… e aí safo-me… ou então não… então o meu trabalho é tão vendável como uma instalação. Se calhar eu até estou mesmo no limite. Se for para galerias não me devo safar muito porque ninguém  vai querer comprar… pelo menos em galerias do tipo da Arte Periférica… ou coisas assim, galerias que estão mesmo voltadas para o decorativo… nunca me vão lá querer, porque já sabem que não é vendável, não é garantido.  Por outro lado, iniciativas para jovens, estilo jovens criadores, o que lá querem é instalações e vídeos, o que querem é coisas que dêem ar de rebelde e de novidade. Então onde é que eu fico? Não fico. Estou no campo da pintura, mas não estou no campo da pintura vendável… não estou no campo nem da arte “rebelde”, nem da arte “galeria para compra”. Isso também não é muito fácil para mim.

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No meu trabalho o que me interessa  mesmo é a pluralidade de significações que ele possa ter… que a pessoa que vê estabeleça uma relação com o que lá está… relação com as suas ideias e a sua personalidade. Portanto o valor do trabalho depende de quanto mais sentimentos, quanto mais ideias puder transmitir, puder fazer jogo com quem vê… e quanto mais diversas forem as pessoas… não é um trabalho só para um certo tipo de pessoas, com um certo tipo de cultura e de um certo ramo da sociedade… que seja o mais abrangente possível, mas não é ditador, não pretende que as pessoas vejam isto ou aquilo, uma coisa determinada.

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Isto resultou, agora vamos fazer um maneirismo… como se nos estivessemos a copiar a nós próprios… Esses são para mandar fora… Esses aí não resultam… Quando uma pessoa já descobriu algo que ficou bem  e depois vai tentar fazer assim… parece que está a limpar… a ver os ingredientes que ficaram bem… isso nunca resulta. O problema é ver naquilo em que tu podes seguir, ver qual é a continuidade das tuas pinturas, dos teus trabalhos, mas ver essa continuidade não quer dizer que seja olhar para os teus trabalhos e tentar repetir um a fórmula. Há uma diferença entre continuidade do trabalho e fórmula. Isso é que é o complicado.

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Parece que voltámos a uma espécie de conceptualismo, retorno aos anos 60 depois do boom da pintura. Agora não se vê muita gente em pintura… Compra-se uma revista e são poucos os artistas que tu vês ali que sejam pintores.

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